quinta-feira, 8 de abril de 2010

Canção do amor-perfeito

























Eu vi o raio de sol
beijar o outono.
Eu vi na mão dos adeuses
o anel de ouro.
Não quero dizer o dia.
Não posso dizer o dono.

Eu vi bandeiras abertas
sobre o mar largo
e ouvi cantar as sereias.
Longe, num barco,
deixei meus olhos alegres,
trouxe meu sorriso amargo.

Bem no regaço da lua,
já não padeço.
Ai, seja como quiseres,
Amor-Perfeito,
gostaria que ficasses,
mas, se fores, não te esqueço.

Cecilia Meireles

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O Rei do Mar




 















Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta vida. Longo mar.

Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...

Nem tormenta nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...)
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar. ..

Cecilia Meireles

Pequena canção da onda






















Os peixes de prata ficaram perdidos,
com as velas e os remos, no meio do mar.
A areia chamava, de longe, de longe,
ouvia-se a areia chamar e chorar!

A areia tem rosto de música
e o resto é tudo luar!

Por ventos contrários, em noites sem luzes,
do meio do oceano deixei-me rolar!
Meu corpo sonhava com a areia, com a areia,
desprendi-me do mundo do mar!

Mas o vento deu na areia.
A areia é de desmanchar.
Morro por seguir meu sonho,
longe do reino do mar!

Cecília Meireles

Fragilidade




 














Teu nome nas águas
tão fundas, tão grandes

perde-se na espuma,
castelo de instantes.

No aço azul da noite
teu firme retrato

acorda entre nuvens
já desbaratado.

A sorte da pedra
é tornar-se areia:

Mas quem não soluça
pensando em teu rosto

reduzido a poeira...

Cecilia Meireles

Marinha
















O barco é negro sobre o azul.

Sobre o azul, os peixes são negros.

Desenham malhas negras as redes, sobre o azul.

Sobre o azul, os peixes são negros.
Negras são as vozes dos pescadores,
atirando-se palavras no azul.

É o último azul do mar e do céu.

A noite já vem, dos lados de Burma,
toda negra,
molhada de azul:

– a noite que chega também do mar.

Cecília Meireles

Pescaria
















Cesto de peixes no chão

Cheio de peixes, o mar.

Cheiro de peixe pelo ar.

E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.

As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vem e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.

Cecilia Meireles